“07/2/2015 - 66º dia de detenção
À CAMPANHA PELA LIBERTAÇÃO DOS PRESOS
POLÍTICOS;
AO POVO BRASILEIRO:
- Da Penitenciária Bandeira Stampa
(Bangu 9)
Resistir é preciso!
Quando esta carta chegar às suas mãos
já terei completado 70 dias de prisão no complexo Penitenciário de Gericinó. O
processo que resultou na minha prisão tem um claro cunho ideológico-político e
fere, na verdade, centralmente, o direito de livre expressão e manifestação em
tese assegurada ao nosso povo.
Sou acusado de compor uma
"quadrilha" cujas supostas ações criminosas não ocorreram jamais.
Durante as audiência foi perguntado, insistentemente, por nossa defesa,
brilhantemente conduzida pelo Dr. (e companheiro) Marino D'Icarahy: qual ato
criminoso, afinal, essa "quadrilha" praticou? Qual incêndio? Qual
dano? Qual atentado? O "crime" que cometemos, na verdade, foi o de
criar uma frente política combativa, antieleitoral, a Frente Independente
Popular (FIP), que manteve sempre erguida a bandeira do protesto popular, mesmo
no período de intensa repressão durante a Copa da Fifa. Nosso
"crime", como inclusive conta dos autos, foi a disposição em
"desestabilizar" os diferentes governos. Claro, o nosso povo não tem
nenhuma razão para protestar e se o faz só pode ser pela ação de insidiosos
elementos infiltrados... Essa lógica é tão tacanha quanto mentirosa.
Se as grandes manifestações populares
terminaram, todas, nos quatro cantos do país, em confrontos com as forças
policiais, isso apenas ocorreu porque a única resposta prontamente adotada pelo
Estado brasileiro foi a intensificação da repressão. A polícia do Rio chegou ao
ponto de disparar tiros de fuzil afim de dispersar a multidão, no dia
17/6/2013, quando mais de cem mil pessoas marchavam ao redor da Assembleia Legislativa.
Na final da Copa do Mundo, um dia após termos nossa prisão decretada por
supostamente prepararmos atos de "extrema violência", o que se viu
foi a extrema violência da Polícia Militar cercando a praça pública e sitiando
milhares de pessoas num anel de bombas e ferro, chocando a opinião pública do
mundo inteiro.
O que se criminaliza no nosso processo não são fatos, e sim as posições políticas sustentadas pela FIP e organizações que a compõem, principalmente o Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR) e a Organização anarquista Terra e Liberdade (OATL). O conceito de "inimigo do Estado", um dos cernes da famigerada doutrina de segurança nacional dos regimes militares latino-americanos, parece ter sido assim perigosamente resuscitado. Chegado a este ponto para classificar militantes como terroristas não falta mais que um passo. Daí toda importância que a batalha em torno do nosso processo encerra.
O que se criminaliza no nosso processo não são fatos, e sim as posições políticas sustentadas pela FIP e organizações que a compõem, principalmente o Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR) e a Organização anarquista Terra e Liberdade (OATL). O conceito de "inimigo do Estado", um dos cernes da famigerada doutrina de segurança nacional dos regimes militares latino-americanos, parece ter sido assim perigosamente resuscitado. Chegado a este ponto para classificar militantes como terroristas não falta mais que um passo. Daí toda importância que a batalha em torno do nosso processo encerra.
Com todo repressão as manifestações
seguem e seguirão, porque têm raízes mais profundas. A crise econômica e
política está aí e se reflete na tragédia social que assistimos diariamente. O
gigante do consumo revelou ter pés de barro; a tal sexta economia do mundo está
às voltas com a falta de água e luz para sua população. Não há saneamento
básico na maior parte do país e os trabalhadores sofrem com os péssimos
serviços públicos, como saúde e transporte. A mesma Dilma que mentiu para o
mundo ao declarar, na assembleia geral da ONU, que seu governo não reprimia os
protestos, mentiu para os brasileiros durante a campanha eleitoral dizendo que
não haveria pacotão de impostos e cortes de direitos trabalhistas.
Nesse contexto de crise não podemos
subestimar o crescimento do fascismo e é dever de todos os autênticos
democratas e pessoas honestas aumentar a vigilância antes que seja tarde. A
história puniu sempre severamente os que transigiram com o arbítrio. Não deixa
de ser sintomático que um alto oficial da PM, comandante da tropa diretamente
encarregado da repressão aos protestos, tenha-se declarado nazista. a ação da
polícia de Pezão e Beltrame nas favelas e bairros pobres do Rio de Janeiro,
aliás, acumulando milhares de execuções sumárias nos últimos anos, guarda não
poucas semelhanças com a "solução final" de Hitler.
Em decorrência desse processo espúrio
contra nós movido tivemos na prática os direitos políticos cassados, ao sermos
impedidos de participar de manifestações e debates públicos. Sim, fomos também
impedidos de expor nossas idéias uma vez que outra restrição imposta, qual
seja, a de não nos ausentarmos da comarca sem autorização judicial, foi
amplamente utilizada para vetar nossa participação em eventos acadêmicos e
políticos, a maior parte deles a convite de universidades públicas e entidades
idôneas, com passagens de ida e volta devidamente compradas.
Essas medidas cautelares ferem
seriamente o princípio de presunção de inocência e configuram uma punição
antecipada, além de escancarar o caráter político desse processo. Creio que
todos nós, eu inclusive, devemos fazer uma autocrítica por não termos
denunciado com a devida energia essas medidas de exceção. Aceitamos com certa
passividade que uma espada fosse mantida sobre as nossas cabeças e, no momento
oportuno, não por coincidência somente após as eleições novas prisões
arbitrárias foram decretadas.
Curioso é que, em nome de uma suposta
rigorosa defesa da ordem e das instituições, fui enviado no dia 3/12/2014 para
o lugar onde os preceitos do Estado de Direito são mais ampla, ostensiva e
sistematicamente violados: o sistema penitenciário. Aqui o tratamento cruel,
desumano e degradante dispensado aos presos é a mais absoluta regra e, ainda
que em pouco tempo, já vi e vivi todo tipo de arbitrariedade. É triste que a
mesma energia e celeridade demonstradas pelo poder judiciário quando se trata
de prender não se verifique quando se trata de fiscalizar e coibir a sucessão
de violações que ocorrem aqui dentro.
Companheiros (as):
Sigo, como sempre, firme e convicto
quanto à justeza da nossa causa. Somos os presos políticos das históricas
jornadas de junho e temos que nos portar a altura da juventude combatente e dos
trabalhadores da cidade e do campo que elevam cada vez mais rapidamente sua
consciência política e seu nível de organização. Enganam-se os que pensam que
poderão, com prisões e perseguições, sufocar nossa luta. Os povos, ao longo da
história e em todos os países, sempre lutaram e o povo brasileiro levantar-se-á
em ondas cada vez maiores para cobrar o que é seu por direito. Trata-se de uma
necessidade história, irreversível, independente da vontade de quem quer que
seja.
Não é fácil dormir e acordar sob a
guarda do inimigo de classe, mas a presença e o trabalho de vocês ultrapassam
os muros e as grades, e nunca me sinto sozinho. Encontrei sempre nos demais
presos solidariedade, interesse e bastante respeito pela nossa luta. Em não
poucos encontrei mesmo admiração. Eles me pediram que, saindo daqui, use a
força do nosso movimento para contar à sociedade as agruras do cárcere.
Pretendo cumprir a promessa que lhes fiz.
Novamente muito obrigado a todos. Aos
companheiros democratas e revolucionários de outros países, que têm manifestado
sua solidariedade com mobilização de nosso povo, calorosas e fraternas
saudações internacionalistas!
Mantenhamos erguidos com vigor as
nossas cabeças e as nossas bandeiras, bem como nossos punhos cerrados, símbolo
sagrado e universal de resistência. Caio Silva, Fabio Raposo e eu estamos
separados dentro da penitenciária, mas eles também estão firmes e buscamos
apoiar uns aos outros dentro das possibilidades.
Não há o que temer! Por mais difícil e
prolongada que seja a luta, o povo está condenado à vitória. Sigamos em frente,
sem concessões e sem conciliações quanto aos nossos princípios.
Rebelar-se
é Justo!
Lutar não é crime!
Fascistas não passarão!”
Lutar não é crime!
Fascistas não passarão!”